Há bocado, uma mulher sentou-se ao meu lado no autocarro.
Contempla, como eu, o carrossel de imagens e cores que se vê deste lado do vidro.
Fixada lá fora, aproveito a baixa da sua guarda social para a contemplar um pouco sem ser importunado pelo ser olhar inquiridor; não é feia nem bonita, as linhas vincadas da sua face ressentem-se da vinda para a cidade: é decididamente uma mulher do interior.
Leio-lhe no odor a lixívia e nas mãos calejadas uma vida de empregada doméstica abruptamente iniciada com o desterro, com a fuga última às suas raízes.
E de repente inteiro-me do que domina esta face: uma imensa fenda no lábio superior, rasgando-o em dois. Dir-se-ia que parece uma bica, por onde a tristeza do seu semblante fluiu afunilando-se, transformando estes lábios numa ténue linha sem expressão, interrompida por este espinho intemporal cravado na sua carne.
Imagino como o sangue deve ter jorrado naquele fatídico dia, o dia em que o sangue fluiu por entre os nós dos dedos de um marido embriagado. A ilusão desapareceu ao primeiro contacto, nenhum dos dois pensou na possibilidade mas a colisão atrai o coração animal de uma forma inevitável; ele nela numa profundidade inimaginável: osso com osso e a vida desvanece à frente dos seus olhos, cegando-os. A raiva é o tónico onde a recionalidade não impera e a carne tão mole...resvala no osso, abrindo-lhe caminho de uma maneira irremediável.
Longe lhe parecem agora os tempos, em que as coisas pareciam perfeitas. Tudo é medo, tudo é escuro e nem a embriaguez traz lucidez...como podia trazer?
O autocarro chega ao meu destino, preparo-me para sair e pondero se hei de dizer algo, todavia, a fenda no lábio ainda é algo cirurgicamente reparável.
Sem dar conta, tenho os seus olhos, mortiçamente enquadrados com o seu esgar, prostados em mim e compreendo: há muito que a esperança abandonou estes olhos turvos e o seu medo, digo, amor revolveu-lhe a ferida, consumando-a numa cicatriz espartilhada de uma vida cingida à submissão.
Uma vida estilhaçada.
Hoje, senti-me morrer.
Contempla, como eu, o carrossel de imagens e cores que se vê deste lado do vidro.
Fixada lá fora, aproveito a baixa da sua guarda social para a contemplar um pouco sem ser importunado pelo ser olhar inquiridor; não é feia nem bonita, as linhas vincadas da sua face ressentem-se da vinda para a cidade: é decididamente uma mulher do interior.
Leio-lhe no odor a lixívia e nas mãos calejadas uma vida de empregada doméstica abruptamente iniciada com o desterro, com a fuga última às suas raízes.
E de repente inteiro-me do que domina esta face: uma imensa fenda no lábio superior, rasgando-o em dois. Dir-se-ia que parece uma bica, por onde a tristeza do seu semblante fluiu afunilando-se, transformando estes lábios numa ténue linha sem expressão, interrompida por este espinho intemporal cravado na sua carne.
Imagino como o sangue deve ter jorrado naquele fatídico dia, o dia em que o sangue fluiu por entre os nós dos dedos de um marido embriagado. A ilusão desapareceu ao primeiro contacto, nenhum dos dois pensou na possibilidade mas a colisão atrai o coração animal de uma forma inevitável; ele nela numa profundidade inimaginável: osso com osso e a vida desvanece à frente dos seus olhos, cegando-os. A raiva é o tónico onde a recionalidade não impera e a carne tão mole...resvala no osso, abrindo-lhe caminho de uma maneira irremediável.
Longe lhe parecem agora os tempos, em que as coisas pareciam perfeitas. Tudo é medo, tudo é escuro e nem a embriaguez traz lucidez...como podia trazer?
O autocarro chega ao meu destino, preparo-me para sair e pondero se hei de dizer algo, todavia, a fenda no lábio ainda é algo cirurgicamente reparável.
Sem dar conta, tenho os seus olhos, mortiçamente enquadrados com o seu esgar, prostados em mim e compreendo: há muito que a esperança abandonou estes olhos turvos e o seu medo, digo, amor revolveu-lhe a ferida, consumando-a numa cicatriz espartilhada de uma vida cingida à submissão.
Uma vida estilhaçada.
Hoje, senti-me morrer.
2 comentários:
Não me canso de te dizer como adoro as tuas palavras. Como adoro ler-te. Nao me canso de voltar a ler.
Tal como te disse, continua a escrever. :)
Beijinho!
Adorei o texto, we can all relate to it!!! keep it up!!!
bjinhos Mayra
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